quinta-feira, 3 de abril de 2008

"tudo devia acontecer pela manhã"

Ele não queria ir embora naquela manhã gelada de agosto. Não queria olhar para a menina que ele viu se transformar em mulher, que dormia na cama que ele acabara de se levantar. Não queria olhá-la porque sabia que seria a última vez que a veria assim. Linda. Colocou o resto das suas coisas na mochila e olhou. Olhou a cama, a janela, as cortinas azuis, a estante, o armário, o teto e o chão. Olhou pra ela também. E demorou dessa vez. Olhou todos os detalhes íntimos de quem dorme, descabelada e sem maquiagem. Respirou muito fundo e uma lágrima corajosa pulou pra sua bochecha. Então sacudiu a cabeça, tirou as lágrimas menos corajosas dos olhos e saiu. Na sala foi seguido pelo cachorro e ficou um tempo segurando a chave. Não, não podia ser a última vez. Eles não podiam ter uma última vez. De impulso voltou ao quarto. Não entrou. Ficou encostado na porta retribuindo o olhar canino. Resolveu que ele tinha que fazer o que tinha que ser feito. Nem sempre é o melhor, apenas o necessário. Ele nem tinha certeza se era tão necessário assim. Aliás, ele não sabia ainda que muita coisa que ele abriu mão era extremamente necessária. Mas isso é depois. Agora, no auge dos seus vinte e poucos anos ele não pensa nisso. É um garoto ainda. E ela é uma mulher. Uma mulher de vinte anos. Ele sabe que não vai aguentar essa situação. Ele não está preparado. Vai se lembrar dessa cena daqui a uns 4 ou 5 anos e vai falar que teria feito diferente. Mas agora não dá. O celular vibra. São os amigos. Chegaram pra buscá-lo. O estopim do adeus agora é que o faz abrir de uma vez a porta e sair.

Ela se assusta e se mexe. Procura um abraço que não está mais lá. Mas porque não? Ele nunca acorda antes das nove. Que horas serão? No celular são exatos quinze minutos pras oito horas. Ela levanta. Repara na falta de roupas no chão e no cachorro que late enlouquecido na sala. Sai correndo e olha pela janela. Ele está entrando no carro. Ela queria gritar, mas não grita. Ele dá uma última olhada pra cima. Imagina que ela estará lá. Seria mais fácil se não estivesse, mas está. Abaixa a cabeça e entra no carro. Ela lá em cima segura o cachorro e encosta no vidro. As lágrimas dela são bem mais corajosas e numerosas. Não param de pular. E não vão parar pelos próximos 3 dias. Ela vai lembrar dessa cena e pensar que faria tudo diferente. Não gritaria mesmo, nunca obrigaria um homem a ficar com ela. Mas aproveitaria o momento que ele olhou pra cima pra fazer aquele gesto bonitinho que mostra como o seu anel novo é moderno e a sua unha está bem feita. Só um dedo. O dedo que diria tudo que ela pensou tanto em dizer pra ele. Mas os tempos eram outros. Ela ainda era uma menina apaixonada. E sabe que não ia fazer diferença. Eles eram as pessoas certas no momento errado.
E o momento passou desse jeito. Cada um com seu tipo de orgulho e arrogância. Cada um com suas dificuldades, medos e limites.
Cada um com seu amor.
E no fim, os dois sem nenhum.

Nenhum comentário: