Dou uma olhada geral, abro dois ou três links.
Uma matéria é a única que me faz sorrir, outra é a única que me revolta. Não me revoltou por ser pior do que os tantos crimes, mas por ser diferente deles. Esses crimes diários, nossos crimes diários. Aqui, na cidade maravilhosa, já nos habituamos, nos familiarizamos. Não é novidade aquele sequestro, outro assalto. Nem os acidentes de carros diários, mesmo em tempos de 'lei seca' que deve ter sido batizada por alguem que não conhece o Nordeste, ou os cariocas. Acidentes me fazem levantar da cama com o coração explodindo dentro do peito, imagens chocantes no noticiário enchem meus olhos de lágrimas. Sim, quase diariamente. Suportamos a violência, mas inutilmente tentamos nos adaptar a essa realidade ridícula. Apesar de tudo, apesar dos pesares, o carioca ainda sente alguma coisa, ainda se importa.
Cariocas e cariocas.
Cariocas que me provocam profunda admiração existem salpicados por aí. Alguns conhecidos, a maioria anônima.
Cariocas que me envergonham profundamente, que me fazem sentir um asco gigante pelas proporções que a ignorância humana pode alcançar. Para o bem deles, todos anônimos. Pois eu bem que poderia bater na porta deles e perguntar se, nem lá no fundo, não sentem vergonha do que fizeram. "Não, -eles me responderiam- não fizemos mal a ninguém! Não matamos, não roubamos...". Roubaram sim. Não roubaram um ipod nem a bolsa de uma velhinha, roubaram nossa cultura, roubaram beleza. Destruíram sem pensar duas vezes um marco na história da poesia, das letras. Não só do Rio de Janeiro, mas do país. Do mundo! E a troco de que? De levar um pedaço da haste dos óculos de Drummond? De mostrar pros amigos como troféu de alienação? Os amigos vão festejar, tirar fotos e depois colocar no orkut com a legenda "Aqui jaz meu espírito de cidadania! É com orgulho imenso que eu digo para vocês não terem dúvidas, provo que sou um completo imbecil!" e ter vários comentários de amigos invejosos querendo um pouco dos óculos também. Não por quererem um pouco de Drummond para si, 'Quem é Drummond?' 'Ele jogava em que time??' 'Ah não, ele era um daqueles cantores bregas dos anos 60.', poderia ser qualquer um o lesado, mas o nosso querido poeta sofre por estar sentado, despreocupado, curtindo um pouco da nossa princesinha do mar. Aberto a pixações e assombrosos ataques mensais. Não é esse o primeiro, não será esse o último. Enquanto a educação não vier em primeiro lugar muitos óculos serão perdidos, muitos jovens serão perdidos. E assim continua o país, ainda quase engatinhando, mesmo depois de tantas décadas de crescimento, tanta luta. Luta desses aí, do tipo de Drummond, que não jogavam futebol.
Mas, pra não dizer que não falei das flores, não muito longe da bela Copacabana, os cariocas estavam em festa na conchegante Lagoa do Rodrigo... Os olhos brilhavam com as luzes da nova árvore. Essa visão parece levar uma luz ao fim do túnel, uma explosão de fogos para que até quem não tem óculos possa ver que, um dia, vamos dar a volta por cima.
Apesar de tudo, apesar dos pesares, o Rio de Janeiro continua lindo e, como diria Drummond, as coisas muito mais que lindas ficarão.

Espero que não acordemos um dia e nem o poeta esteja mais lá.
"A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros."
Carlos Drummond de Andrade