domingo, 30 de novembro de 2008

Enquanto isso, no Rio de Janeiro...

Abro meu jornal online.
Dou uma olhada geral, abro dois ou três links.
Uma matéria é a única que me faz sorrir, outra é a única que me revolta. Não me revoltou por ser pior do que os tantos crimes, mas por ser diferente deles. Esses crimes diários, nossos crimes diários. Aqui, na cidade maravilhosa, já nos habituamos, nos familiarizamos. Não é novidade aquele sequestro, outro assalto. Nem os acidentes de carros diários, mesmo em tempos de 'lei seca' que deve ter sido batizada por alguem que não conhece o Nordeste, ou os cariocas. Acidentes me fazem levantar da cama com o coração explodindo dentro do peito, imagens chocantes no noticiário enchem meus olhos de lágrimas. Sim, quase diariamente. Suportamos a violência, mas inutilmente tentamos nos adaptar a essa realidade ridícula. Apesar de tudo, apesar dos pesares, o carioca ainda sente alguma coisa, ainda se importa.
Cariocas e cariocas.
Cariocas que me provocam profunda admiração existem salpicados por aí. Alguns conhecidos, a maioria anônima.
Cariocas que me envergonham profundamente, que me fazem sentir um asco gigante pelas proporções que a ignorância humana pode alcançar. Para o bem deles, todos anônimos. Pois eu bem que poderia bater na porta deles e perguntar se, nem lá no fundo, não sentem vergonha do que fizeram. "Não, -eles me responderiam- não fizemos mal a ninguém! Não matamos, não roubamos...". Roubaram sim. Não roubaram um ipod nem a bolsa de uma velhinha, roubaram nossa cultura, roubaram beleza. Destruíram sem pensar duas vezes um marco na história da poesia, das letras. Não só do Rio de Janeiro, mas do país. Do mundo! E a troco de que? De levar um pedaço da haste dos óculos de Drummond? De mostrar pros amigos como troféu de alienação? Os amigos vão festejar, tirar fotos e depois colocar no orkut com a legenda "Aqui jaz meu espírito de cidadania! É com orgulho imenso que eu digo para vocês não terem dúvidas, provo que sou um completo imbecil!" e ter vários comentários de amigos invejosos querendo um pouco dos óculos também. Não por quererem um pouco de Drummond para si, 'Quem é Drummond?' 'Ele jogava em que time??' 'Ah não, ele era um daqueles cantores bregas dos anos 60.', poderia ser qualquer um o lesado, mas o nosso querido poeta sofre por estar sentado, despreocupado, curtindo um pouco da nossa princesinha do mar. Aberto a pixações e assombrosos ataques mensais. Não é esse o primeiro, não será esse o último. Enquanto a educação não vier em primeiro lugar muitos óculos serão perdidos, muitos jovens serão perdidos. E assim continua o país, ainda quase engatinhando, mesmo depois de tantas décadas de crescimento, tanta luta. Luta desses aí, do tipo de Drummond, que não jogavam futebol.
Mas, pra não dizer que não falei das flores, não muito longe da bela Copacabana, os cariocas estavam em festa na conchegante Lagoa do Rodrigo... Os olhos brilhavam com as luzes da nova árvore. Essa visão parece levar uma luz ao fim do túnel, uma explosão de fogos para que até quem não tem óculos possa ver que, um dia, vamos dar a volta por cima.
Apesar de tudo, apesar dos pesares, o Rio de Janeiro continua lindo e, como diria Drummond, as coisas muito mais que lindas ficarão.
Espero que não acordemos um dia e nem o poeta esteja mais lá.

"A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado

murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
"
Carlos Drummond de Andrade

5 comentários:

Cinthia Paes disse...

É, amiga!
Infelizmente nem a cultura está livre da violência. Realmente é um absurdo as coisas que aconteceram e acontecem a cada dia. E quem fez isso? Se foram 'crianças' serão absolvidas, coitadinhas... não sabem o que fazem! E é exatamente porque elas 'não sabem' que o mundo está do jeito que está e o Brasil está cada vez mais no fundo do poço. O mais triste é que as pessoas não percebem isso. A mídia, que deveria ter o papel de conscientizar ao invés de alienar, trata assassinatos absurdos como mais um capítulo da novela. "O caso da menina Isabella", veja bem! Não parece título de novela? E assim que foi tratado! Enquanto ela estava dando ibope, todo mundo queria ter Isabella nas telas, mas e depois? Nada! Nem citam o nome da pobrezinha. Os árcades tinham a noção da efemeridade do tempo, a mídia tem noção da efemeridade do dinheiro. Pra quê continuar com algo que não dá dinheiro?
Infelizmente, enquanto as pessoas não tomarem uma posição séria em relação à situação do país, continuaremos nesse caminho que leva para lugar nenhum!

Beijos!
Muito bom o texto!
Até me animei aqui no comentário!

Soso Paskin disse...

E tudo uma questão de derivacao. Nao sei se vou conseguir me expressar direito, mas colocando na balanca, o bonito e o 'feio' teriam o mesmo peso. Porem, o que nos passam em peso, sao as coisas 'feias' e é por isso que quase não dão valor ao bonito, ams ele sempre continua lá.
Enfim, eo texto está otimo!

E muito estranho.. ano passado eu escrevi um texto chamado: E se o poeta não estivesse mais lá?
Falando sobre a estatua de Drummond. Vou ate postar um dia desses.. beijos beijos

Mafort disse...

Eu também achei um absurdo o que fizeram com o nosso poeta .-.
As pessoas hoje em dia estão tão acostumadas com a violência que estão absorvendo esses valores errados e respirando egoísmo e burrice.E é ai que eu me pergunto:
Quando, quando vão parar?

Paulo Mendonça disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Mendonça disse...

Não vou escrever sobre a cultura que não temos.
Nâo vou fescrever sobre a ignorância que transborda em nossas vidas.
Só vou dizer que o texto é emocionante. Perto de pessoas que pensam assim, eu me sinto um pouco a salvo deste mundo. Só!