sexta-feira, 23 de maio de 2008

"Eu tive um sonho ruim e acordei chorando, por isso eu te liguei"

Ele abriu os olhos e logo viu que estava preso. Na verdade, ele não viu absolutamente nada. Ver aqui é força de expressão, assim como "se viu numa grande enrascada" ou "viu que seria uma grande aventura" (créditos à sessão da tarde), ele sabia que estava preso, só não sabia aonde. E não lembrava de nada.
Tentou se mexer. Apertado demais. Tentou sair. Impossível, bateu e se debateu. Continuou na mesma. Agora um pouco suado e com uma ligeira falta de ar.
O silêncio voltou aos poucos e deu lugar a uma voz. Não, não era a voz de Deus. Era a voz da sua namorada. Aliás, agora noiva.
"...porcariaa de futebol com seus amigos..."
"...amigos que não valem nada..."
"...ela está chorando...levanta você dessa vez..."
"...certo sair pra bebeeer depois do trabalho?..."
"...bela desculpa..."
"...acordada a noite inteira cuidando do seu filho..."
"...pegar suas roupas sujas pelo quarto..."
"...tampa do vaso sanitário...pia molhada..."
"...somos bons amigos também..."
"...trabalho, trabalho, trabalho..."
"...almoço na casa da mamãe..."
"...eu te amei...quero a separação...as crianças...você sai..."
O ar restante agora era tão raro que ele pensou em quanto ele valeria no mercado se houvesse um.
Desesperado, recomeçou a bater na madeira em volta. O barulho terrível das batidas secas se tranformou no reconfortante barulho do despertador.
Ele nunca gostou tanto do sol da manhã no rosto e nunca olhou tão pensativo para a foto que estava no porta-retrato na cabeceira, com "eu te amo" em cola-colorida vermelha.
Sim, era o dia do casamento.

2 comentários:

Cinthia Paes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cinthia Paes disse...

Sabe o que esse texto me lembrou?
Aquele livro que ganhamos no Salão de Leitura: Crônicas de Oficinas.
Adorei!
Beijooooo!