domingo, 28 de setembro de 2008

A maluca no espelho

A metade de mim que apostou que o espelho, LOGICAMENTE, estaria gelado e duro como de se esperar acabou de perder. Encostei em outra mão mais quente que o normal e controlei o susto para não soltá-la.
Agora ela olhava pra mim sorrindo, mas eu continuava assustada. Como poderia ser assim?? Ela tinha que ser um reflexo meu, até onde eu sabia, e eu realmente não estava sorrindo, nem nada parecido.
Tentei esboçar um sorriso, para acompanhá-la, e ela começou a rir. Aí resolvi soltar a minha mão, realmente chateada, mas ela continuou segurando firme e pulou pro meu lado.
Nessa hora eu quase chorei de desespero. Pulei pra dentro do box, fechei os olhos e deixei água gelada cair na cabeça, com roupa e tudo.
"É melhor você ligar a água quente, afinal você nem gosta de água gelada, pode pegar uma gripe e não vai me fazer sumir..."
Ok, liguei a água quente. Era melhor não discutir... e já estava tremendo de frio mesmo.
Sentei, ela já estava lá no outro canto. Enquanto eu ainda observava chocada, ela continuava a sorrir.
Uns minutos depois, ela respirou fundo e revirou os olhos. "Você é mais chata do que poderia supor! Dá pra falar alguma coisa?"
Eu me desculpei e disse que não sabia o que falar.. Mexi nos dedos e a encarei novamente. Resolvi puxar um assunto no melhor estilo msn.
"Uhm.. Muito previsível. Bom, melhor que nada. Meu nome? Você não faz nem idéia? Ana. Seu nome ao contrário, óbvio, já que você me vê sempre ao contrário. Não, o Beatriz não entra, só o primeiro nome. O seu tinha que ser Ana, né? Um nome palíndromo, um dos poucos. Extramente raro e extramente normal. Sabe o que isso significa? Ah, eu sei que você sabe, diz que não porque quer saber o que eu acho e não quer de maneira alguma que a palavra volte a você... Ok, deixa pra lá. Isso significa que você não tem contrário, não tem oposto. Entende? Na minha realidade todos são opostos dos que vivem aqui na sua realidade. Mas eu sou igual a você. As vezes é difícil pra mim e eu gostaria de ser o espelhum de outro, mas.. é bom pra você e eu até que me divirto..."
Ela disse que era bom pra mim porque eu vivia em eterna briga interna justamente por não ter nenhum outro ponto de vista. Mas não é isso que é bom, claro, bom é o fato de ser mais difícil se contradizer e mais fácil agir de forma homogênea, uma perfeição simétrica interior. É, eu também não sei daonde ela tirou isso e ri nessa hora. Ela não deixou de reparar e quando abriu a boca eu engatei uma pergunta... Ela realmente havia dito outro universo??
"Sim, e é isso que te dá tanto problema. Essa sua inconstância. Suas incertezas sempre certas também. Ah, e esse seu maldito gênio. É sério, você não devia rir. Isso é tudo culpa dos universos paralelos que você escolheu. Sim, eu vou te explicar, fecha a boca. As pessoas normalmente escolhem uns 3 universos, que é pra vida não ficar muito complicada. Esse meu universo, é o principal, é o único que vocês não escolhem e o único que sabe da existência dos outros. Você escolheu outros OITO universos, porque não conseguiu abrir mão de nenhum entre eles. Você quase enlouquece e eu morro de rir assistindo tudo. Desculpa, mas é engraçado. Porque eu vejo e eu escuto você! Sim, seus pensamentos. Sério, você tem cada pensamento.. É uma pena que eu não possa contar pra ninguém.. É uma lei, sabe? E podemos tentar, mas não sai... Ah tá, acho que posso te dizer sim. Até porque as leis aqui são diferentes e eu já tô fora do espelho mesmo, o que é mais difícil. Aliás, sabe como foi que você conseguiu me arrancar de lá? Claro que não. Você simplesmente não estava pensando em nada, estava totalmente concentrada em você e só você, o que me deixou uma porta aberta pra te alcançar. Interessante, né? Muitos de nós conseguem o tempo todo, mas você pensa em tantas coisas ao mesmo tempo que eu nunca consegui. Aproveitei a oportunidade, eu poderia não ter vindo, sabe? Mas você me parecia muito interessante. Engraçado, aqui quando não consigo mais ler seus pensamentos você é ainda mais interessante. Verdade! Posso te perguntar umas coisas antes de te contar sobre os seus universos paralelos? Ah, que ótimo!" ...
Hu, perguntar sobre mim quando sabe da existência de universos paralelos? Ok, vamos lá, respondo o que você quiser, mas garanto que não vai ser como descobrir universos...!
"Auto-estima, menina! Você precisa disso, sabe? Você tem isso num universo, mas fica pra depois. Por que você gosta de se olhar quando chora, ou depois de chorar? ...Sério???? Haha, que coisa! Não esperava por essa...! É chato pra mim, sabe? Eu tenho que chorar também... É, eu tenho que fazer o que você faz quando está visível num espelho. Mas isso não incomoda, a gente sabe que é assim e ponto. Funciona também com fotos. Cada foto prende a gente um pouquinho... Você não sabe a felicidade quando vocês não gostam e rasgam a foto, ou deletam agora, e mais ainda quando terminam namoros e aí destroem vááárias fotos de uma vez. Não, eu especialmente gosto de fotos."...
E me perguntou mais algumas coisas bobas como sentimentos e doces. E quis saber como era não ler o pensamento de ninguém. E como era cair. E o que levava alguém a quebrar espelhos. E coisas assim. E eu respondendo rápida e desinteressadamente, pensando em universos e na conta de gás desse mês.
Me contou então sobre meus universos. Oito, tirando o dela, que era obrigatório. Me contou como eles funcionavam e como eu agia e vivia em cada um deles.
O universo onde se escolhia quem se ia amar, o universo onde se voltava no tempo pra tomar um caminho diferente, o universo em que não se podia voltar, mas se podia ver todas as possibilidades e todo o desenrolar de cada possibilidade de escolha, o universo aonde ninguém nunca se sentia mal, ninguém nunca se sentia pra baixo. Todos se achavam melhores. Logo, ninguém gostava de ninguém, ninguém falava com ninguém, ninguém importava pra ninguém. Insupotável esse universo!
"...não escolheu, foi meio que um castigo por escolher tantos..."
O universo em que o poder do pensamento era inegável. Você pensava e acontecia, pensava e acontecia. Esse é bem bacana, mas deixa tudo fácil demais.
Tem também o universo que a minha mãe escolheu por mim... O universo aonde só existe a Beatriz, o universo do 'segundo nome'. E ela disse que a Ana me fazia uma falta interior enorme...
E outros universos.. Que prefiro não comentar, sabe?
Mas de todos os universos e de cada coisa que ela contou, eu preferi o meu. O que eu vivo com tudo que eu inventei.
Eu perguntei pra ela o que ela achava de mim, lendo meus pensamentos. O que ela lia em mim, o que ela escreveria sobre mim. Ela disse que lá no universo dela ela realmente tem que escrever sobre. Quando souber que eu vou morrer tem que estar com o livro quase pronto. A ser lançado no dia da minha morte. Se ficar bom acaba cinema e pizza e ela vive uma vida sem mim e eu vivo pelas histórias dela. Se ficar ruim, ela morre também e eu morro outra vez.
Falando isso ela foi se tornando menos nítida até desaparecer. Eu fechei os olhos, triste de ter que vê-la ir sem poder fazer nada, a não ser observa-la outra vez pelos espelhos.
Ana se foi sem me explicar quem eu sou vista por alguém que é eu mesma e é alguém de fora.
Perdi essa oportunidade, mas ganhei uma nova amiga.

E, quem sabe, juntando todas essas minhas linhas rabiscadas não se descubra...?!

3 comentários:

Soso Paskin disse...

que viagem...
muito bom o texto

Kika Hamaoui disse...

Seja amante do seu espelho. É lá que se esconde o seu lado mau!
(você também pode ler como: fascínio ;)

jaytopia disse...

simplesmente incontrolavel a vontade de ler até a conclusão .. impossivel a cogitação de tentar parar de ler sem antes chegar ao final !!! parabens muito irado !! nossa ta muito legal mesmo em Bia!!
po e a história do tio barto ?
enfin bjus !!